segunda-feira, 7 de abril de 2008

BEM VINDO A GOTHAN CITY

No final dos anos 60, os músicos Jards Macalé e Capinan, compuseram a revolucionária canção “Gothan City”, que, se tornaria um dos hinos do tropicalismo e da contra-cultura, revolucionando a estética e o conceito da arte brasileira. Neste momento tão criativo e efervescente de nossa música, estes compositores jamais imaginariam que, trinta anos depois, São Caetano do Sul, seria reconhecido na grande mídia, como Gothan City a legendária cidade do Batman. A comparação de nossa cidade, com esta incendiaria canção, só foi possível devido à aura de metrópole decadente enegrecida pela poluição das industrias em choque com a maior concentração de punks, carecas do subúrbio, skatistas, rockabillies, darks, sufistas, metaleiros e bichos grilos, por metro quadrado .
1989 marca o cinqüentenário deste herói mascarado criado pelo desenhista Bob Kane e na onda do homem morcego, foi lançada a polemica Graphic Marvel , Batman o Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller que culminou com o lançamento do filme Batman, que bateu recordes de bilheteria, ressuscitando a Batmania.
Mas, o que também levou São Caetano ser comparada a Gothan City, além da semelhança urbana, era o grande número de grafiteiros, que perigosamente invadiam as madrugadas, aplicando sua arte nos entristecidos muros da cidade. Era comum, encontrar grafites homenageando Batman, inclusive de cunho eleitoral, como: “Vote no Batman” e até na entrada principal de nossa cidade, existia um gigantesco mural anunciando – “Welcome to Gothan City”.
A história dos grafites em São Caetano, tem início nos anos 70 com enigmáticas frases escritas em spray nos muros da cidade, ex: “A Rota Arrota Projéteis na Calçada” – “É Ter na Mente” – “Hendrix + Mandrake = Mandrix” e “A Carne é Franca” entre outras. Com o avanço da abertura política, frases de efeito como: “Abaixo a Ditadura” e “Anistia, Ampla, Total e Irrestrita”, cutucavam o regime militar, propondo ação e reflexão da sociedade.
Heroicamente, grafiteiros de São Caetano, como Numa Ramos que grafitou Batman até no Muro de Berlim em 1987, Job Leocadio, Jorge Tavares, fizeram com que o grafite deixasse de ser uma arte marginal e conceitual, restrita a estudantes de artes, e redimensionassem o cenário urbano de nossa cidade. E da noite para o dia, surgiam vários grafites que recriavam o universo das histórias em quadrinhos e bastava uma volta pelas ruas do centro de São Caetano, para se deparar com batalhões de super-heróis.
Nos anos 90, com o surgimento do Rap e do Hip -Hop, o grafite se manteve como veículo de resistência e mecanismo de expressão de novas gerações, com ênfase no traço livre. Atualmente existem novas tendências no uso do material, como PVC, vidro e sucatas em geral, mas o velho muro continua sendo o alvo preferido dos grafiteiros.
Encerro esta matéria, propondo que, São Caetano do Sul resgate a aura de cidade dos grafites e se possível que tragam Batman e outros heróis de volta aos degradados muros da cidade. Por fim, saúdo os ativistas do spray e vibro para que mantenham acesa a chama da arte, longe da poluição visual dos pixadores e aproveito esta oportunidade, para dar uma sugestão aos pixadores de plantão:
- Não Pixem - Façam Arte!
E antes que eu me esqueça - Tire o Pé da Parede !!!

MUTANTES - SEJAM BEM VINDOS

Há algumas décadas atrás os Mutantes subiram no palco do Palácio das Convenções do Anhembi e pela última vez tocaram juntos. Durante este show, Arnaldo Batista subiu no palco e emocionou a platéia ao cantar velhas canções e ao tocar piano e sintetizador junto com seu irmão Sérgio, num momento brilhante que indicava o final de um ciclo e do mito Mutantes.
Vieram os conturbados anos 80 eles foram esquecidos e ninguém acreditava que eles que tocariam juntos novamente
Mas o improvável aconteceu.
E quase 30 anos depois no aniversário da cidade de São Paulo Os Mutantes subiram ao palco do Parque da Independência no Ipiranga e para alegria geral da nação tocaram durante duas horas seus clássicos fazendo o público cantar e dançar de maneira feliz e entusiasmada, sem nenhum incidente..
O show começou com Dom Quixote, seguida de Caminhante Noturno, numa sucessão de clássicos como Ave Genghis Khan, Minha Menina, Baby, Virginia, A Hora e a Vez do Cabelo Crescer, além da Balada do Louco que emocionou e levou a platéia ao delírio, num momento de rara descontração, que contou com a presença de Tom Zé que cantou 2001.
Destaque para a voz de Arnaldo nas canções Dia 36 e Cantor de Mambo.
Pra assombro dos fãs, a mística guitarra dourada de Sérgio Dias foi utilizada durante quase todo o show, principalmente em Ando Meio Desligado, com citações do inesquecível solo de guitarra de While My Guitar Gently Weeps, numa homenagem explicita a George Harrison e aos Beatles.
Não bastasse o show impecável, fiquei impressionado com o público presente composto em sua maioria por jovens que não viveram a época dos Mutantes, mas que cantavam todas as canções com uma disposição invejável.
Serginho, Arnaldo e Dinho ao lado da cantora Zélia Duncan entusiasmaram a todos e fizeram um espetáculo repleto de bom humor, sensibilidade e profissionalismo.
Voltei para casa com a alma lavada e com os tímpanos purificados.
Ao deitar um resíduo de indignação girava em minha cabeça, afinal eu quase não encontrei sobreviventes dos anos 70.
Então eu pergunto:
Onde andará a minha geração?

RICK AND ROLL - CONSULTORIA MUSICAL

Nasci e moro em São Caetano do Sul, na poluída região do ABC Paulista, berço de vários grupos e tendências musicais. Considerada a Detroit brasileira, devido à típica poluição suburbana e por abrigar as principais indústrias automobilísticas do país. Através dessa proximidade com motores, graxa e velocidade, ainda criança, comecei a me interessar pelos ídolos da música e do cinema dos anos 50 e 60, que iriam idealizar o meu estilo de vida e minha devoção ao Rock and Roll.
Nos anos 80, enquanto o movimento underground agitava o grande ABC, num cenário emergente de estilos musicais e tendências visuais, eu criei a loja de discos Rick and Roll que ocupava a galeria mais subterrânea de São Caetano do Sul, alimentando com atitude e rock and roll várias tribos urbanas.
Durante 10 anos (1986 a 1996), a Rick and Roll se especializou em Rockabilly e Psychobilly, e promoveu vários eventos culturais, entre eles, o lançamento dos grupos, Grinders, Varsóvia, S. A R, Catalépticos e Acústicos e Valvulados. Outros destaques foram as tardes de autógrafos com Tony Campello, Baby Santiago e Carlos Gonzaga e a visita dos grupos ingleses Toy Dolls e Guanabatz. De todos os eventos, o mais alarmante foi o Campeonato Nacional de Topetes, que aconteceu nos anos de 1988, 1991, 1994, com participação de dezenas de rockers e psychos de todo Brasil, e apresentação dos grupos Eddy Teddy & Kriptonitas, The Jet Blacks, Grande Trepada e João Penca e seus Miquinhos Amestrados, entre outros.

Em 1991, ao lado de vários topetudos, fui entrevistado no Programa Jô Onze e meia do SBT, e em 1996, a escritora Glória Perez lembrou o campeonato de topetes, ao criar o personagem rocker Bebeto a Jato, interpretado por Guilherme Karan, na novela Explode Coração, da Rede Globo.
Na ocasião, levei dezenas de informações à produção da Rede Globo e fui convidado para apresentar a final do Campeonato de topetes da novela, ao lado do grupo João Penca e seus Miquinhos Amestrados.Em 1996, com o fechamento da loja, me dediquei em promover shows e eventos culturais de vários estilos musicais na área pública, sempre promovendo grupos e artistas. Mantenho em minha casa um estúdio de gravação com um grande acervo de títulos em vinil e presto consultoria musical para órgãos públicos e particulares.
Atualmente, com o apoio da artista plástica Rosana Eloi e da fotógrafa Rúbia Santana, estou produzindo uma palestra a respeito da música e suas interferências na moda, no estilo e no comportamento de eternas gerações.E antes que eu esqueça - Tire o pé da parede!

domingo, 6 de abril de 2008

Surf Music- A Eterna Onda

Enquanto as orquestras Toscano e Copacabana reinavam absolutas nos salões de dança de São Caetano do Sul, tocando samba-canção, boleros e canções românticas, uma nova geração se preocupava em assimilar as novas tendências da música, moda e de comportamento, vindas principalmente dos EUA.
Era o fim de um período de muitas festas, que coincidiu com a inauguração da TV Tupy, em São Paulo e com a construção da nova capital federal em Brasília. Junto com essa maré de novidades e otimismo, uma enxurrada de produtos estrangeiros invade o Brasil, como: os radinhos de pilhas, as calças americanas, ou far-west e o bambolê que se transformou num fenômeno de vendas. Repetindo o que havia acontecido em outros países, a indústria fonográfica, cinematográfica e de vestuários apontavam em direção a este novo perfil de consumidores adolescentes, com: jornais, filmes, revistas e discos, além de um exercito de eletrodomésticos.
A chegada de Bill Halley e seus Cometas no Brasil no final dos anos 50 confirmariam esse fenômeno de comportamento mundial e não demoraria para nossa cidade ser contaminada com a febre do Rock. Ainda assim, muitos conservadores de plantão repudiavam esse lixo estrangeiro, por acreditar ser apenas mais uma moda passageira como a rumba, o beguine e o calipso.
Entretanto, a canção Oh Carol, de Carlos Gonzaga, não parava de tocar nas rádios e as lojas de discos não venciam em vender Elvis Presley, Neil Sedaka e Paul Anka. Nas telas dos cinemas, filmes como Rebel Without a Cause (Juventude Transviada) estrelado por James Dean e The Wild One (O Selvagem) por Marlon Brando, incorporavam a identidade do jovem rebelde, dispostos a enfrentar, até mesmo com violência, a sociedade que hostilizava o seu jeito de ser. Solidificando uma nova forma de comportamento ao provocar a ira dos vigilantes da moral e dos bons costumes, conseguindo ser agente e ao mesmo tempo veiculo de uma violenta transformação no modo de agir e pensar de milhares de jovens em todo o mundo.
Vale lembrar que era uma época de tímidos avanços, onde se acreditava que masturbação cegava e quem usava camisa vermelha era maricas. Diante dessa sociedade machista, as moças tinham que parecer difícil e numa tentativa de auto-afirmação começaram a fumar escondidas no banheiro do cinema, a substituir as toalhinhas higiênicas pelo modess, e ir a praia vestindo o audacioso biquíni amarelinho, provocando escândalos curiosos como o cantor Ronnie Cord flagrou na canção Biquíni de Bolinha Amarelinha.
Com o surgimento desse novo ritmo e de outros movimentos de contracultura, os jovens começaram a adquirir voz própria na sociedade, reivindicando independência no mercado de trabalho, acesso aos bens de consumo e principalmente às manifestações artísticas. Estava nascendo a fagulha excitante do Rock Brasileiro e em pouco tempo novos cantores como Demétrius, Wilson Miranda, Sergio Murillo e Tony & Celly Campello conquistariam uma legião de fãs adolescentes e não demoraria para a juventude de São Caetano do Sul entrar nessa nova onda.

SURF MUSIC
A NOVA ONDA

A proximidade com o litoral, as características de subúrbio operário, das indústrias automobilísticas, dos estúdios da Vera Cruz, dos motores, das estradas, da poluição e da velocidade se transformariam na moeda cultural de nossa região. E apesar da rigidez da ditadura militar o cenário musical apresentava sintomas de criatividade e um sopro de emoção e entusiasmo.
Basta lembrar, a grande quantidade de grupos de rock instrumentais também chamados de Surf Music, que se revezavam nos salões de bailes e nas domingueiras dos clubes: Cerâmica, Monte Alegre, São Caetano, Teuto, Sberoc e Vera Cruz. Inspirados no seriado A Volta a Praia dos Biquínis, estrelado por Sandra Dee e Frank Avalon, essa nova geração refletia um estilo de vida que valorizava o sol, o mar e os carros velhos com motores envenenados. A visão desta juventude era de uma sociedade operária com preocupações naturais de adolescentes como: garotas, estrada, velocidade, pranchas long board e principalmente praia.
As raízes musicais desta nova tendência musical eram orientadas no som das guitarras do rock clássico e muitos desses grupos se inspiravam na sonoridade e na habilidade de grupos estrangeiros como The Ventures e The Shadows e nos nacionais The Clevers, The Jordans e The Jet Blacks. Entre os principais grupos instrumentais, ou solados, de São Caetano do Sul, estavam: The Snakes (embrião do grupo Os Botões), The Golden Lions, The Mouth Bells, The Driving Guitars, (que acompanhava o calouro Jerry Adriani), The Jet Reds, The Flyers, The News, Os Falcões, Os Apaches, Os Piratas e Os Berimbrasas, que ensaiavam em frente a minha casa.
Os shows eram divulgados boca a boca, e muitos grupos não sobreviviam a primeira apresentação, além disso, o dinheiro não pagava as despesas e para piorar os equipamentos eram precários e caros. Sem contar com as portas fechadas das gravadoras, o desinteresse das emissoras de TV e a falta de apoio dos programadores de rádios AM, em divulgar a música instrumental.
Interessante citar que em 1964, quando Roberto Carlos, se apresentou pela primeira vez em São Caetano, no Estádio Lauro Gomes, os grupos The Jet Reds e The Snakes tocaram na abertura deste show, promovido pela Radio Cacique.
O sonho de consumo destes grupos musicais eram as guitarras elétricas, mas devido ao preço dos instrumentos importados e da precariedade dos equipamentos nacionais, vários grupos só conseguiam se apresentar na garagem de casa. Diante de tantas dificuldades, os candidatos a músicos fabricavam suas próprias guitarras em pequenas oficinas e de maneira totalmente artesanal. Entre os principais instrumentos da época, figuravam as guitarras Del Vechio, Snake e Rei, as baterias Pingüim, Gope e Saema, e os amplificadores Tremendões e Thundersound, fabricados pela Gianinni que na época ainda não fabricava guitarras. Atualmente estes amplificadores valvulados são considerados itens de colecionadores e muito disputados entre músicos.
Na crista da onda da música instrumental, grupos como: The Sparks, Yellow Jackets, VR-4 e The Classic Rock, mantêm acesa a chama da Surf Music e recentemente apresentaram-se no 1 Festival Surf Music de São Caetano do Sul, no Espaço Verde Chico Mendes.
Com certeza, quem tem mais de 40 anos não irá esquecer-se daquela nostalgia saudável, nem daquelas melodias românticas que grudavam nos ouvidos e compunham a trilha sonora das matinês de cinema, dos bailinhos de garagem, dos circos e parques de diversões.
Aproveito este momento para saudar os músicos daqueles grupos instrumentais, e torcer para que este movimento musical não caia no ciclo vicioso da memória, silêncio e esquecimento.
E longe de ser saudosista ou de ser um defensor do culto ao passado, quero agradecer o convite da Fundação Pró Memória por permitir eu resgatar e preservar este passado recente e saldar esta divida histórica e cultural em relação a estes grupos musicais de São Caetano do Sul que embalaram infinitas gerações.
E antes que eu esqueça - Tire o pé da parede!