domingo, 6 de abril de 2008

Surf Music- A Eterna Onda

Enquanto as orquestras Toscano e Copacabana reinavam absolutas nos salões de dança de São Caetano do Sul, tocando samba-canção, boleros e canções românticas, uma nova geração se preocupava em assimilar as novas tendências da música, moda e de comportamento, vindas principalmente dos EUA.
Era o fim de um período de muitas festas, que coincidiu com a inauguração da TV Tupy, em São Paulo e com a construção da nova capital federal em Brasília. Junto com essa maré de novidades e otimismo, uma enxurrada de produtos estrangeiros invade o Brasil, como: os radinhos de pilhas, as calças americanas, ou far-west e o bambolê que se transformou num fenômeno de vendas. Repetindo o que havia acontecido em outros países, a indústria fonográfica, cinematográfica e de vestuários apontavam em direção a este novo perfil de consumidores adolescentes, com: jornais, filmes, revistas e discos, além de um exercito de eletrodomésticos.
A chegada de Bill Halley e seus Cometas no Brasil no final dos anos 50 confirmariam esse fenômeno de comportamento mundial e não demoraria para nossa cidade ser contaminada com a febre do Rock. Ainda assim, muitos conservadores de plantão repudiavam esse lixo estrangeiro, por acreditar ser apenas mais uma moda passageira como a rumba, o beguine e o calipso.
Entretanto, a canção Oh Carol, de Carlos Gonzaga, não parava de tocar nas rádios e as lojas de discos não venciam em vender Elvis Presley, Neil Sedaka e Paul Anka. Nas telas dos cinemas, filmes como Rebel Without a Cause (Juventude Transviada) estrelado por James Dean e The Wild One (O Selvagem) por Marlon Brando, incorporavam a identidade do jovem rebelde, dispostos a enfrentar, até mesmo com violência, a sociedade que hostilizava o seu jeito de ser. Solidificando uma nova forma de comportamento ao provocar a ira dos vigilantes da moral e dos bons costumes, conseguindo ser agente e ao mesmo tempo veiculo de uma violenta transformação no modo de agir e pensar de milhares de jovens em todo o mundo.
Vale lembrar que era uma época de tímidos avanços, onde se acreditava que masturbação cegava e quem usava camisa vermelha era maricas. Diante dessa sociedade machista, as moças tinham que parecer difícil e numa tentativa de auto-afirmação começaram a fumar escondidas no banheiro do cinema, a substituir as toalhinhas higiênicas pelo modess, e ir a praia vestindo o audacioso biquíni amarelinho, provocando escândalos curiosos como o cantor Ronnie Cord flagrou na canção Biquíni de Bolinha Amarelinha.
Com o surgimento desse novo ritmo e de outros movimentos de contracultura, os jovens começaram a adquirir voz própria na sociedade, reivindicando independência no mercado de trabalho, acesso aos bens de consumo e principalmente às manifestações artísticas. Estava nascendo a fagulha excitante do Rock Brasileiro e em pouco tempo novos cantores como Demétrius, Wilson Miranda, Sergio Murillo e Tony & Celly Campello conquistariam uma legião de fãs adolescentes e não demoraria para a juventude de São Caetano do Sul entrar nessa nova onda.

SURF MUSIC
A NOVA ONDA

A proximidade com o litoral, as características de subúrbio operário, das indústrias automobilísticas, dos estúdios da Vera Cruz, dos motores, das estradas, da poluição e da velocidade se transformariam na moeda cultural de nossa região. E apesar da rigidez da ditadura militar o cenário musical apresentava sintomas de criatividade e um sopro de emoção e entusiasmo.
Basta lembrar, a grande quantidade de grupos de rock instrumentais também chamados de Surf Music, que se revezavam nos salões de bailes e nas domingueiras dos clubes: Cerâmica, Monte Alegre, São Caetano, Teuto, Sberoc e Vera Cruz. Inspirados no seriado A Volta a Praia dos Biquínis, estrelado por Sandra Dee e Frank Avalon, essa nova geração refletia um estilo de vida que valorizava o sol, o mar e os carros velhos com motores envenenados. A visão desta juventude era de uma sociedade operária com preocupações naturais de adolescentes como: garotas, estrada, velocidade, pranchas long board e principalmente praia.
As raízes musicais desta nova tendência musical eram orientadas no som das guitarras do rock clássico e muitos desses grupos se inspiravam na sonoridade e na habilidade de grupos estrangeiros como The Ventures e The Shadows e nos nacionais The Clevers, The Jordans e The Jet Blacks. Entre os principais grupos instrumentais, ou solados, de São Caetano do Sul, estavam: The Snakes (embrião do grupo Os Botões), The Golden Lions, The Mouth Bells, The Driving Guitars, (que acompanhava o calouro Jerry Adriani), The Jet Reds, The Flyers, The News, Os Falcões, Os Apaches, Os Piratas e Os Berimbrasas, que ensaiavam em frente a minha casa.
Os shows eram divulgados boca a boca, e muitos grupos não sobreviviam a primeira apresentação, além disso, o dinheiro não pagava as despesas e para piorar os equipamentos eram precários e caros. Sem contar com as portas fechadas das gravadoras, o desinteresse das emissoras de TV e a falta de apoio dos programadores de rádios AM, em divulgar a música instrumental.
Interessante citar que em 1964, quando Roberto Carlos, se apresentou pela primeira vez em São Caetano, no Estádio Lauro Gomes, os grupos The Jet Reds e The Snakes tocaram na abertura deste show, promovido pela Radio Cacique.
O sonho de consumo destes grupos musicais eram as guitarras elétricas, mas devido ao preço dos instrumentos importados e da precariedade dos equipamentos nacionais, vários grupos só conseguiam se apresentar na garagem de casa. Diante de tantas dificuldades, os candidatos a músicos fabricavam suas próprias guitarras em pequenas oficinas e de maneira totalmente artesanal. Entre os principais instrumentos da época, figuravam as guitarras Del Vechio, Snake e Rei, as baterias Pingüim, Gope e Saema, e os amplificadores Tremendões e Thundersound, fabricados pela Gianinni que na época ainda não fabricava guitarras. Atualmente estes amplificadores valvulados são considerados itens de colecionadores e muito disputados entre músicos.
Na crista da onda da música instrumental, grupos como: The Sparks, Yellow Jackets, VR-4 e The Classic Rock, mantêm acesa a chama da Surf Music e recentemente apresentaram-se no 1 Festival Surf Music de São Caetano do Sul, no Espaço Verde Chico Mendes.
Com certeza, quem tem mais de 40 anos não irá esquecer-se daquela nostalgia saudável, nem daquelas melodias românticas que grudavam nos ouvidos e compunham a trilha sonora das matinês de cinema, dos bailinhos de garagem, dos circos e parques de diversões.
Aproveito este momento para saudar os músicos daqueles grupos instrumentais, e torcer para que este movimento musical não caia no ciclo vicioso da memória, silêncio e esquecimento.
E longe de ser saudosista ou de ser um defensor do culto ao passado, quero agradecer o convite da Fundação Pró Memória por permitir eu resgatar e preservar este passado recente e saldar esta divida histórica e cultural em relação a estes grupos musicais de São Caetano do Sul que embalaram infinitas gerações.
E antes que eu esqueça - Tire o pé da parede!

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